domingo, 25 de março de 2012

Quando a maldade é demais, até o diabo desconfia.

José Guilherme e Luiz Carlos Bernardes

Num mundo de economia globalizada, a mídia também é globalizada. A atuação ampliada da CNN, a partir das duas invasões do Golfo Pérsico; o apoio que o Presidente Bush recebe da TV Fox; a continentalização do jornal Herald Tribune, editado na Inglaterra, entre outros monopólios da mídia, são exemplos disso. O Presidente Bush tentou sofisticar ainda mais, ao criar, no Iraque, um canal de TV para fornecer à população a versão norte americana dos fatos. Na Itália, por duas vezes, Berlusconi chegou ao poder por ser um dos grandes concentradores dos meios de comunicação. Até os dias de hoje, somente a Europa e os EUA possuem mídia mundial.
A BBC de Londres consegue manter sua dignidade, com todas as dificuldades, e continua a ser a referência mundial em termos de mídia pública. O que se repete, em menor escala, com a Rede de Televisão Portuguesa (RTP), que também fez correta cobertura da 2ª invasão do Iraque. O cenário tamném apresenta mudanças de outras naturezas como a Al Jazira e Al Arábia, no Oriente Médio, mostrando ângulos negligenciados pela mídia imperial. Na América Latina, há boas expectativas em relação à TV Sul e TV Brasil.

No Brasil, o “coronelismo eletrônico” e as forças às quais ele serve, surpreendente-mente, no último período, têm ditado a política para o setor com uma intensidade poucas vezes vistas na história. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, veículos de comunicação tentaram receber o “Pró-Mídia”. No final daquele ano, sofremos um golpe, com a diminuição da represen-tação popular no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Nos últimos três anos, cerca de 10 emissoras de baixa potência por dia, 200 por mês, 2.400 por ano tiveram suas vozes interrompidas. É cada vez maior o número de comunicadores comunitários respondendo a inquéritos na Polícia Federal. É nesta época que surge na história do Brasil uma nova e numerosa modalidade de “criminosos”: os condenados - vindos das lutas populares - por operar emissoras de baixa potência.
                       Hoje passa de 100 milhões de reais, o valor da poupança popular investida em equipamentos das emissoras de baixa potência e alcance restrito, lacrados ou seqüestrados de cidadãos e comunidades, pela Anatel e Polícia Federal. Decisões de Estado são tomadas sem que haja uma legítima e necessária discussão com a sociedade e acabam sendo confundidas com “negócios de campanha”. Em maio de 2006, um atentado à soberania nacional com a autorização pelo Cade da Fusão Sky-DirecTV. Em junho, o crime de Lesa-Pátria do decreto 5820/2006 da TV digital; e como se fosse pouco, a pedido do deputado Jader Barbalho e do ministro Helio Costa, o presidente Lula, único com competência legal para tal ato, requisitou a devolução de processos enviados ao Legislativo, impedindo o fechamento de 225 emissoras de vários políticos, que tinham concessões vencidas.
O cenário interno dos últimos 10 anos é marcado por um grande número de experiên-cias e apropriação de tecnologias, espalhadas pelo território nacional, sendo instaladas 30 mil rádios de baixa potência, das quais 10 mil continuam em funcionamento. A entrada do sistema de TV a cabo não se popularizou como gostaríamos, mesmo assim é responsável pelo surgimento de dezenas de TVs no Brasil, divididas entre comunitárias, universitárias e legislativas, e suas respectivas representações nacionais ABCCOM (Associação dos Canais Comunitários), ABTU (Associação Brasileira de TVs Universitárias) e Astral (Associação das TVs e Rádios Legislativas). É positiva a criação da Abepec (Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais) e a manutenção dos canais estatais, embora alguns estejam próximos da dimensão pública, outros não.
Assim, os avanços não se restringiram apenas aos progressos tecnológicos e seu barateamento. Avanços maiores poderão acontecer, caso se consiga formar uma rede nacional e mesmo internacional de programação compartilhada, com co-produções, envolvendo emissoras comunitárias, universitárias, educativas e estatais, aumentando a intensidade de seu caráter público, e criando conselhos estaduais e municipais de comunicação social, especialmente nas capitais. A participação das entidades do movimento social e ONGs em veículos populares trará outro nível de questionamento de setores da mídia, que vem criminalizando as organizações que defendem o interesse dos excluídos.
É essencial envolver as forças da sociedade que acreditam na necessidade de democratizar a comunicação para democratizar o Brasil. É preciso um novo marco regulatório das comunicações, atualizando as normas referentes ao setor, a partir do processo de convergência tecnológica e visando a garantia do direito à comunicação para a sociedade brasileira. É necessário construir um processo de conferências municipais, estaduais e nacional das comunicações, com vistas a democratizar a formulação, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas da área.

José Guilherme Castro / Luiz Carlos Bernardes
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José Guilherme Castro
Consultor de Comunicação. Secretário-Geral do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), coordenador de Comunicação e Cultura da ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária e membro do Conselho Consultivo do Rádio Digital do Minicom. Foi presidente da ABRAÇO MG 01/03, Secretário de Comunicação do PT BH 95-96. Desde 1995 é colaborador da Rádio Educativa Favela e TV Comunitária de BH. 

Luiz Carlos Bernardes
Formado em Direito e em Comunicação, ambos pela UFMG, trabalhou, entre outros, na revista Isto É - foi chefe da sucursal mineira -, foi repórter especial da Folha de São Paulo em MG, foi repórter especial do jornal Estado de Minas, foi membro das Comissões de Direitos Humanos da OAB MG e da Arquidiocese de Belo Horizonte, entre l979 e l987; foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais -l987 a l990-; foi presidente da Federação Nacional dos Jornalistas -l99l a l992-, foi diretor da Federação Latinoamericana de Jornalistas e da Organização Internacional dos Jornalistas. É o representante da TV Comunitária - canal 13 - no Comitê Mineiro do FNDC e diretor de Cultura e Comunicação da OAB MG desde l993. É também âncora da tv Bandeirantes Minas e integrante do Observatório da Imprensa, das TVs Cultura de SP e TVE do RJ.

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