domingo, 25 de março de 2012

Tinha umas pedras no meio do caminho

José Guilherme Castro


Tinha umas pedras no meio do caminho...
Algumas das pedras no meio do caminho eram pedras de Galeno
Que se transformaram em pedra no sapato do coronelismo eletrônico.
Apesar de estar enraizado em todo o país, o movimento de radiodifusão comunitária é emergente. A unidade e organização que construiu, não tiveram ainda condições de realizar uma maior articulação com outros movimentos sociais, com a academia, com o Terceiro Setor  e com o Estado, de modo a permitir a autogestão das emissoras, impedir a repressão e provocar mudanças na legislação vigente.
A lei atual de radiodifusão comunitária, mais restringe que potencializa as rádios populares, além de não permitir a existência tvs comunitárias.
Mesmo com o reconhecimento da contribuição que as emissoras comunitárias dão às suas comunidades, e todos os esforços e ações dos seus aliados na luta pela democratização da comunicação e do país, ainda não fomos capazes de criar um movimento para resistir aos interesses das ``forças nem um pouco ocultas``, a quem o coronelismo eletrônico serve.


Será necessária uma outra comunicação para um outro Brasil ser possível. Os grandes e seculares inimigos da construção desse outro país mais justo e igualitário, atuaram, surpreendentemente, com a mesma desenvoltura de sempre, nos dois primeiros anos do novo governo, concentrando ainda mais o monopólio da mídia e fragilizando a democratização na comunicação.
Tentaram em 2003 o “Pró-Mídia [http://www.fndc.org.br/Carta.doc] no momento trabalham para a formação do conglomerado SKY, DircecTV e Rede Globo [http://www.fndc.org.br//e-Forum46.doc]e conseguiram, entre outros retrocessos, a redução da representação do setor popular no Conselho de xComunicação Social [http://www.fndc.org.br/Data/CartaCCS.doc]. Em relação às rádios comunitárias, segundo a própria Anatel, em 2003, foram fechadas 37,8 a mais, que no último ano do governo FHC. 
O impossível, às vezes, também, é aquilo que não foi tentado!
Quando perguntam: Como montar uma rádio, com tão pouco recurso e com tanta repressão?
A resposta é fácil: Da mesma forma que foram construídos os sindicatos independentes, a CUT, o PT e todas outras organizações combativas. Com militância!
Para instalar uma rádio comunitária, por menor que seja, é necessária sede fixa, pois mudanças de endereços prejudicam seu funcionamento e a participação da comunidade. Além disso, os equipamentos devem ser da emissora. Geralmente os utilizados (aparelhos de tocar CD, deck, gravadores portáteis, rádio de retorno, mesa de som, microfones) são amadores e acabam tendo vida curta, pois, por não serem profissionais não agüentam a rotina dos trabalhos. Não dá para pedir equipamentos emprestados, e, às vezes, quando se consegue com o tal j"jeitinho" acaba virando problema no futuro.
São necessários recursos para pagamento de custos fixos como energia e telefone (pelo menos para receber chamadas). Também é fundamental que haja recursos para a manutenção permanente dos equipamentos, para evitar que os trabalhos sejam paralisados com freqüência ou por muito tempo: quando a rádio fica fora do ar, não dá para avisar ao ouvinte porque saiu e quando voltará.
Fazer rádio exige mais que disponibilidade das pessoas. Também é preciso disposição, dedicação e disciplina de horários. Atrasos de minutos no início dos programas trazem conseqüências negativas junto à audiência.
À medida que a emissora amplia sua prestação de serviços e participação na comunidade, multiplicam as visitas à emissora, aumentam o custo fixo e o tempo na produção e edição dos programas com mais entrevistas e reportagens. Para atender ao crescimento da demanda é necessário mais gente na recepção, administração, produção, operação e edição, mais manutenção nos equipamentos e conseqüentemente mais recursos financeiros. 
Grande parte do voluntariado que atua nas rádios está ali convidada pelo desemprego. Alguns com esperança daquela atividade possibilitar renda, outros, enquanto aguardam um novo emprego no mercado.  Assim que estes tipos de “voluntários” percebem que não é seguro “pintar grana” ou quando conseguem um bico ou trabalho, são obrigados a se desligarem parcial ou totalmente da emissora.
Esta realidade, além de prejudicar a programação e gestão da rádio, aumenta as dificuldade de formação e permanência de quadros gestores das emissoras populares.
Por menor que seja a rádio, os investimentos humanos e materiais para sua manutenção são elevados. Mobilizar pessoas e obter recursos para ações sociais não tem sido tarefa fácil para as organizações do movimento social.
Este desafio é ampliado quando levamos em consideração o baixo poder aquisitivo dos dirigentes e das comunidades (periferias das metrópoles ou em pequenas cidades) onde está instalada a grande maioria das rádios comunitárias. Outro fator agravante é a precária escolaridade e a falta de conhecimentos básicos de administração da maioria dos gestores das emissoras e da comunidade. A rádio no ar é importante para amplificar a voz, mas só isso e boa vontade não garantem a permanência do projeto.
Os brasileiros ficam apenas cerca de seis anos na escola e estão abaixo da média de estudo de outros países latino-americanos, como Argentina e Chile. Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais, pesquisa divulgada esta semana pelo IBGE. Segundo o estudo, um terço da população adulta, cerca de 31,4 milhões de brasileiros, é composta por analfabetos funcionais.                     (fonte: Boletim do NPC — Nº 62 — De 16 a 28.2.2005)
A não regularização das emissoras por parte do Ministério das Comunicações tem possibilitado uma ação injusta de perseguição, marginalização e criminalização por parte da Anatel e da Polícia Federal. A não autorização e a repressão têm afetado profundamente o já difícil desafio de sua gestão. Pois fragilizam a busca de soluções para dificuldades e os desafios da desigualdade social, mãe do baixo poder aquisitivo e pai da baixa escolaridade. Violência esta que persegue, já por várias gerações, o dia a dia destas populações.
Construir, organizar e manter um coletivo, uma grade de programação, gestar uma entidade de economia solidária de comunicação, obter recursos financeiros para cobrir os custos fixos, já tem sido uma missão duríssima.
É difícil precisar quem mais fechou emissoras populares no Brasil: se foi a violência da desigualdade social ou a repressão do entulho do autoritarismo ainda vivo e atuante nos órgãos da Polícia Federal e da Anatel.
Costumamos dizer que as emissoras comunitárias estão instaladas e não ocupadas. Para quem é ou acompanha o movimento dos sem-terra ou sem-teto, é fácil compreender o que queremos dizer com isso. É quase como a diferença de acampamento para assentamento.
As rádios sem autorização, como os acampamentos, podem ser "invadidas" a qualquer momento, além de estarem sujeitas à repressão, geralmente não estão no local definitivo, e é arriscado fazer investimentos elevados e mesmo planejamentos de médio e longo prazo. Mesmo aquelas que acabam durando muito anos, acordam e dormem com o sabor da insegurança e respiram o ar do provisório.
A ABRAÇO é composta, principalmente, por rádios dirigidas por moradores da periferia das cidades, não possui projetos financiados, não somos assessores de mandatos parlamentares, governos e entidades do movimento social, não recebermos salários, horas técnicas e geralmente nem ajuda de custo para atividades. Mesmo assim avançamos, mas, esta realidade compromete a qualidade do trabalho e prejudica a sobrevivência material das pessoas mais envolvidas e dedicadas nesta construção.
Muitos militantes da radiodifusão comunitária, engajados na luta pela democratização da comunicação, compreendem que não somos mídia e sim, movimento social, sendo que uma das nossas mais preciosas razões de existir, é ser um instrumento de comunicação de massas para os outros movimentos sociais.
Existem hoje "instaladas" no Brasil, mais de mil emissoras comunitárias no Brasil, ávida para serem “ocupadas” por uma gestão socializante e compartilhada com artistas, militantes e entidades da comunidade; e com organizações sociais, culturais, estudantis e sindicais da cidade. Estas emissoras desejam que os conteúdos, informações e grades de programação sejam resultados de um trabalho executado pelos movimentos e pessoas comprometidos na construção do outro mundo possível.
Desde 1996, quando a ABRAÇO foi fundada, foram colocadas no ar mais de 30 mil emissoras de baixa potência, nos quatro cantos do Brasil, das quais permanecem cerca de 20 mil, muitas delas possuindo grande intensidade e potencialidade de ação comunitária.
Teve início em 1998, a RVSF - Rádio Vozes Sem Fronteiras, que durante as 24 horas do dia 21 de março, uma rede mundial de rádios, em vários idiomas e com mais de 600 emissoras dos cinco continentes, veicula programação dedicada ao Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.  A partir de 1999, a Rádio Favela, e, desde 2003, a Rede ABRAÇO de Rádios, passaram a representar o Brasil nesta rede.
Como acúmulo deste processo, a ABRAÇO, a FaE - Faculdade de Educação da UFMG e a Comacon- Coordenadoria para Assuntos da Comunidade Negra da Prefeitura de Belo Horizonte, estruturam a Rede ABRAÇO de Rádios, e realizaram  vários programas e coberturas de atividades políticas e culturais envolvendo a Rádio FaE/UFMG e emissoras comunitárias de Minas Gerais.
Para articulação, concepção e implementação nacional da Rede Abraço de Rádios, aliam-se, em 2004, o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação, TV Comunitária de Belo Horizonte, Ongnet Brasil, Instituto Paulo Freire, Rádio Maré Manguinhos, Laboratório de Áudio da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo/USP, Agência Central de Notícias e Grupo Expressão Sarcástica.
Como resultado, foram criados e qualificados núcleos de produção radiofônica em rede algumas cidades do Rio Grande do Sul, e também Florianópolis-SC, São Paulo-SP, Campinas-SP, Rio de Janeiro-RJ, Brasília-DF, Teresina-PI, as quais  realizaram várias programações pontuais e coberturas de eventos no ano de 2004. Dentre eles, destaca-se o Fórum Mundial de Educação/SP, IV Enacom – Encontro Nacional de Comunicação da CUT; Manifestação Nacional contra o Projeto de Lei do Ato Médico; Jornada Nacional pela Democratização da Comunicação; Conferência Terra e Água do Conselho Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.
Neste ano, a ABRAÇO, além continuar aprofundando o relacionamento com outros movimentos sociais, estará ampliando a Rede ABRAÇO de Rádios para vários outros municípios brasileiros, e dará início  a programações permanentes.

A ABRAÇO está dando um exemplo de como se constrói uma comunicação de” qualidade para atender aos mais desassistidos, para chegar aos rincões do país.”
(Antonio Carlos Spis, Secretário de Comunicação da CUT Nacional)
Hoje, sabemos que não basta ocupar e transmitir, é preciso COproduzir. Apenas mudar os conteúdos, pois transformar pouco. É necessário mais intercâmbio, mais diálogo, mais gente e movimentos com outras histórias de luta no COmando, como é também indispensável criar coperAÇÕES COLETIVAS, oficinas onde os capacitadores são capacitados e vice-versa.
Algumas pessoas entendem de organização; outras apropriaram tecnologia, outras sabem realizar lutas prolongadas. É preciso executar ações que levem à qualificação generalizada, gerando ambientes que potencializem as qualidades e diminuam as deficiências.
Compartilhar a busca de soluções, compartilhar os encontros dos talentos. Os desafios e possibilidades exigem mais pessoas, entidades e movimentos no dia a dia dos planejamentos, das decisões e ocupando a grade de programações.
Para enfrentar a cultura da destruição com a cultura da CONSTRUÇÃO, é necessário RADICALIZAR NA SOCIALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS, APROPRIAR MAIS TECNOLOGIAS, APROFUNDAR A METODOLOGIA DE GESTÃO DOS VEÍCULOS POPULARES DE COMUNICAÇÃO DE MASSA, DESCOBRIR NOVOS FORMATOS e ENCONTRAR NOVAS LINGUAGENS!
O conjunto dos movimentos sociais já acumulou condições e apropriou as tecnologias necessárias para iniciarmos uma rede radiofônica popular a serviço da cultura, da informação e do entretenimento, voltada para o fortalecimento da  identidade, integração e soberania nacional. Já existem muitas rádios a postos para esta “revolução molecular”, e prontas para compartilhar a produção e veiculação de conteúdos para as suas comunidades e na Internet.
A ABRAÇO tem buscado avançar na implementação de um outro modelo de rede de comunicação no país, alternativo ao sistema centralizado hoje vigente, onde todos os municípios brasileiros tornaram-se apenas retransmissores da mídia das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, meros repetidores do formato, linguagem, estética, conteúdos, conceitos e preconceitos da mídia estadunidense e européia, um dos principais instrumentos de produção e reprodução da desinformação, da alienação, do racismo, da injustiça e da desigualdade social no Brasil.
O Projeto Quilombos Midiáticos representa os primeiros passos na estrada que estamos construindo, e o movimento negro e os que trabalham com a promoção da população negra e combate ao racismo são os aliados estratégicos para esta primeira caminhada na construção da possível e necessária Rede Popular de Radiodifusão Comunitária.
Temos a convicção que esta rede irá possibilitar resultados mais efetivos de articulação, mobilização e aprofundamento das ações dos movimentos sociais. 

*José Guilherme Castro.
Coordenador de Comunicação e Cultura da ABRAÇO
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
Secretário Geral do FNDC
Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação
www.fndc.org.br
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